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terça-feira, 31 de março de 2015

Em versos, a morte do lendário rio Pajeú

Blog do Magno Martins
O médico, violonista e poeta Djalma Marques, egresso das paragens do Pajeú, ficou tão sensibilizado com o texto abaixo, que postei no meu Facebook, que resolveu transformar em versos a morte lenta e irreversível do lendário rio Pajeú. Veja o que escrevi e em seguida os caprichados versos do poeta.
Na minha corrida diária de 6 km passei, há pouco, em Afogados da Ingazeira, numa ponte sobre o rio Pajeú. Aliás, o ex-rio, o rio morto. No lugar dos bancos de areia do passado um esgoto corre a céu aberto. Não existe mais nenhum sinal de que ali havia um rio, famoso e decantado na voz de Luiz Gonzaga. O velho e saudoso Pajeú morreu, literalmente.
Olhei em seu redor e só vi mato, bichos soltos, criatórios de porcos e lixo, muito lixo. Quando morava em Afogados na década de 70, o Pajeú transbordava, tinha cheia e formava vários poços maravilhosos para banho. O poço de Benedito era um deles, fundo de fazer medo a cabra mau nadador como eu.
Lembro que certa vez o Pajeú deu uma cheia tão grande que formou uma praia, praia de rio doce, mas o povo curtia como se fosse o mar. Hoje, procurei sinal de areia e não encontrei, mas soube que existem ainda bancos de areia que alimentam um comércio ilegal, de depredação do rio.
Deu uma profunda dor no coração me deparar com um rio lendário morto. Diz a música de Gonzaga que o rio Pajeú despeja no São Francisco. Despejava, isso faz parte de um passado muito distante. Mataram o rio.
OS VERSOS
Djalma produziu os versos abaixo em cima do seguinte mote: "Só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança".
Eu corria contente no sertão/ na cidade que eu nasci e tanto amei/ de repente ao passar me deparei/com uma cena que rasgou meu coração/ vi o rio, para nós uma paixão/Pajeú maior exemplo de pujança/ sem um pingo de água de lembrança/ se acabou o grande orgulho da cidade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Só pensar no que já vi me dá tristeza/ lembro as águas passando, uma corrente/ os meninos nadando livremente/ e o povo apreciando essa beleza/ esse rio que já foi a fortaleza/ que já fez com poetas uma aliança/ foi cantado em prosa, verso, música e dança/ de salário recebeu só crueldade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
No lugar de belos bancos de areia/ corre ali um esgoto a céu aberto/ quem já teve o desprazer de ver de perto/ se espanta da beleza agora feia/ observa todo o lixo que margeia/ dos dois lados até onde a vista alcança/ queira Deus que a natureza por vingança/ não responda dando um troco a essa maldade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Não existe mais nenhum sinal de vida/ decantado na voz do cantador/ o que resta no seu leito é só a dor/ e as tristes cicatrizes da ferida/ de um passado da glória ali jazida/ um lamento, um soluço sem esperança/ resultado cruel de uma matança/ da inocência e da fragilidade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Nesse leito onde antes era um sonho/ de abundância de vida e de beleza/ hoje os porcos parecem realeza/ refletindo um cenário tão bisonho/ do que antes me orgulhava, me envergonho/ de deixar pras gerações maldita herança/ um regalo de total desesperança/ um exemplo de completa insanidade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Tem comércio ilegal em pleno leito/ desse rio lendário e quase morto/ um destino mais triste que um aborto/ um punhal penetrando no seu peito/ uma culpa que se paga sem ter feito/ de um crime que não cabe mais fiança/ como o roubo do fiel de uma balança/ como um estupro na própria mocidade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Tenho pena dos jovens de hoje em dia/ que não viram o que eu vi quando menino/ esse rio que mudaram o seu destino/ ofegante num suspiro uma agonia/ de governos que a lógica contraria/ nem me falem já perdi a confiança/ falta um homem, um pulso, uma liderança/ que encare esse problema com vontade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Esperamos quem corrija esse erro/ quem defenda o Pajeú da sua sorte/ pois agora é iminente a sua morte/ o futuro é transformá-lo num aterro/ porém antes que aconteça o seu enterro/ vamos juntos protestar com segurança/ fazer isso com total perseverança/ té que surja um político de verdade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança
Finalizo o meu clamor tão sertanejo/ mas não tô pedindo esmola, é diferente/ é um crime contra o meio ambiente/ que eu estou denunciando nesse ensejo/ é o bem de todos nós que eu desejo/ é até mesmo a própria lei que me afiança/ que exige do governo uma mudança/ desse crime que é contra a humanidade/ só restou do Pajeú muita saudade/ e o que guardo na memória de criança


Deixe as águas correrem livremente/ deixe a vida transbordar na natureza/ deixe o peixe nadar na correnteza/ deixe o povo viver alegremente/ deixe as aves conduzirem a semente/ deixe as plantas crescerem na bonança/ deixe o rio sorrir enquanto avança/ deixe a água produzir fertilidade/ pra não ser meu Pajeú só a saudade/ que guardei na memória de criança

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