Do Blog de Magno Martins
CAMALAÚ (PB) - Na geografia do voto no Nordeste, entre os anos de chumbo e até meados de 1982, os grotões eram domínio absoluto da Arena e PDS. Nos chamados currais eleitorais, o voto de cabresto predominava ante a força dos coronéis. Em Camalaú, primeiro dos nove santuários eleitorais do Bolsa-Família visitado ontem por este blogueiro no Nordeste, que deu a Dilma a maior votação na Paraíba, até o ano de 82 os votos jorravam das urnas sob o grito e a força dos coronéis Pedro Bezerra, Major Delfino e Chico Chaves.
Hoje, não há coronel no município mais poderoso do que o Bolsa Família. De cada 10 eleitores que foram às urnas na pequena Camalaú, de apenas seis mil habitantes, na eleição de segundo turno no último dia 26 de outubro, há 15 dias atrás, oito cravaram o voto na reeleição de Dilma, a mãezona da pobreza, na adjetivação dos camalauenses. Nos votos válidos, a petista teve 3.518 contra 345 do tucano Aécio Neves.
Percentualmente, 91,07% contra 8,93%. Camalaú tem 1.220 pessoas cadastradas no Bolsa Família. Como o voto em família nordestina é somado por três, a votação de Dilma nesta cidade paraibana, encravada no Sertão do Cariri, a 300 km de João Pessoa, bate exatamente com o resultado saído das urnas.
Prefeito Jacinto Bezerra (DEM)“Eu não tenho nenhuma dúvida de que o embalo do voto aqui se deu pela influência do Bolsa Família”, reconhece o prefeito Jacinto Bezerra, um técnico agrícola de 55 anos filiado ao DEM, partido que integrou a aliança de Aécio Neves, o que não foi impedimento para o democrata sertanejo se aliar ao PT pela primeira vez em sua terra. Em Camalaú, aliás, ninguém se desgarrou do Governo. Vereador Bira Mariano (PT)PT, PMDB e partidos considerados de direita como o DEM, se juntaram numa corrente pro Dilma, deixando as ideologias e as indiferenças de lado. “O prefeito embarcou na onda Dilma porque sabia que não havia condições nem ambiente para pedir voto para Aécio num município onde tudo tem a marca do Governo Federal”, diz o vereador petista Bira Mariano, adversário do prefeito.
Como o prefeito, o parlamentar reconhece a força impulsionadora da avalanche de votos do Bolsa-Família, mas credita também a expressiva marca eleitoral de Dilma aos programas federais no município. “Aqui, não se faz um calçamento numa ruela que não seja com rubrica da União. De campo de futebol à academia de cidades e cisternas, tudo sai com transferência do Governo Federal”, afirmou.
O prefeito não nega. Só o que a União transfere para o Bolsa-Família, R$ 170 mil, valor repassado em outubro, representa mais da metade do FPM, o Fundo de Participação do Município, transferência constitucional obrigatória que deixa os miseráveis municípios sem renda no País reféns do Tesouro Nacional.
“No mês passado nosso FPM foi de R$ 330 mil”, assegura o prefeito, adiantando que se fosse depender apenas desse repasse não teria condições de fazer sequer um poço artesiano, porque o dinheiro é destinado para pagar pessoal, algo em torno de 272 servidores numa folha que consome 46% da transferência constitucional. “O resto é para manter máquina, fazer saúde e educação”, diz Jacinto.
Não fosse a boa vontade da União, Camalaú não teria sequer um trator. Pelo PAC o município recebeu o chamado kit seca – seis máquinas agrícolas, entre as quais caçamba, patrol, retroescavadeira e pá cavadeira, além de um caminhão pipa. “Com as máquinas, a Prefeitura faz recapeamento de estradas, abre barreiros e cacimbas sob o leito do rio Espinho, que banha o município”, diz o secretário de Infraestrutura do município, Júnior Sales.
Propagandas de Dilma ainda são vistas pela cidadeSegundo o prefeito, o município recebeu essas máquinas faltando menos de um ano para a eleição. Mas ganhou também 11 ônibus para transportes escolar, uma escola de referência, uma unidade básica de saúde e já assinou com a Caixa Econômica Federal um contrato de R$ 7 milhões para universalizar o saneamento do município, benefício, segundo ele, para municípios que se inserem no roteiro da Transposição do São Francisco.
“Nós fizemos mais de mil cisternas também na zona rural. Eu reconheço que sem o apoio da União a gente não tinha nem como pagar o servidor, imagine fazer obras”, afirma o prefeito. Por isso, segundo ele, faltou palanque para Aécio Neves no município. Embora eleitor de Dilma, o prefeito não impediu que aliados e até integrantes da sua equipe viessem a fazer opção partidária diferenciada.
Mirabeli Chaves, secretária de finanças de Camalaú e eleitora de Aécio Secretária de Finanças da Prefeitura, Mirabeli Chaves assume que votou em Aécio Neves. “Não sou de perseguir ninguém. Aqui, além da Mirabeli outros votaram em Aécio, como Marícia Couto, minha secretária”, confessa Jacinto. O vereador petista Bira Mariano aponta que o voto da secretária se deve ao fato da sua irmã Maricélia ser a presidente municipal do PSDB. “O prefeito votou em Dilma, mas governa com a direita”, ironiza.
Apesar da boa-vontade da União, Camalaú não tem hospital, apenas dois postos de saúde, para atendimento do Programa de Saúde da Família (PSF). Pacientes para o primeiro atendimento emergencial sem gravidade são enviados para o hospital de Monteiro, a 52 km. Em caso de gravidade, para Campina Grande, a 180 km.
Para o atendimento básico da população, só existem dois médicos, que ficam na cidade de segunda a sexta-feira, embolsando um salário de R$ 15 mil. Profissionais do programa “Mais médicos, que importou cubanos, não existem. “Nosso maior entrave é a saúde, porque o município não tem condições de bancar um hospital”, diz o prefeito.
Rubiana da Conceição e o filho MateusAinda a boa vontade da União não foi suficiente para acabar também com dramas sociais que se perpetuam desde o século passado, como casas de taipas. Na comunidade rural de Caranqueijo, a 12 km do perímetro urbano, Rubiana Gilvania da Conceição, 25 anos, beneficiária do Bolsa-Família, eleitora confessa de Dilma, mora com o marido numa casa de taipa desde que se entende de gente.
“Aqui, tem barbeiro, que transmite a doença de Chagas. A gente o bicho andando aqui dentro de casa, como vê também cobra, sapo, caranguejeira e tudo que não presta, mas o que há de fazer? O Governo promete nos dar uma casa de alvenaria, mas a promessa já tem 25 anos, a minha idade”, diz, ao lado do filhinho Mateus, de apenas 7 anos.
Mas mesmo morando num abrigo nessas condições, Rubiana e o marido, que vive de fazer bicos, segundo ela, conseguiram comprar uma moto, uma televisão e instalar uma antena parabólica. “Foi tudo com a ajuda do Bolsa-Família, não vou negar”, afirma. Como mãe de um garoto que cursa a 2ª série, ela percebe R$ 102 do programa.
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Escrito por Magno Martins, às 07h48 | |
terça-feira, 11 de novembro de 2014
Santuários eleitorais do Bolsa-Família - Estação I
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