Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
Seria bom se Ariano Suassuna tivesse aquele jeitinho mirabolante de João Grilo para conseguir driblar a morte como o seu inesquecível personagem. Um dos maiores escritores e dramaturgos da língua portuguesa faleceu no fim da tarde desta quarta-feira (23), às 17h15 horas, no Real Hospital Português, aos 87 anos. O paraibano radicado em Pernambuco desde 1942 foi internado na noite da última segunda-feira (21) após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Passou por cirurgia para a colocação de dois drenos. Ficou em coma e passou a respirar com a ajuda de aparelhos , quando acabou morrendo com uma parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana.
O velório será aberto ao público a partir das 23h desta quarta-feira (23), no Palácio do Campo das Princesas, na área Central do Recife. Já o enterro será no Cemitério Morada da Paz, às 16h, desta quinta-feira (24). Ariano Suassuna morreu no mesmo dia que completava um ano da morte do sanfoneiro Dominguinhos, que morreu aos 72 anos, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, em decorrência de complicações infecciosas e cardíacas.
Nesta quinta-feira (23), o Jornal do Commercio vai publicar uma edição especial na versão impressa para prestar uma homenagem ao escritor.
A divulgação da morte de Ariano foi informada através de uma nota oficial do Hospital Português:
O escritor Ariano Suassuna, em decorrência de grave Acidente Vascular Cerebral (AVC) Hemorrágico, faleceu nesta quarta-feira (23/07), às 17h15, no Real Hospital Português, onde estava internado desde a última segunda-feira (21/07). O paciente teve uma parada cardíaca provocada pela hipertensão intracraniana. A família ainda não informou os detalhes do funeral.
Ariano já tinha sofrido um AVC, mas do tipo isquêmico, que é considerado mais fraco. Já no dia 21 de agosto de 2013, teve um infarto, mas também conseguiu se recuperar.
Dono de uma das principais trajetórias da literatura e da dramaturgia nacional – um raro caso de nome e rosto conhecido até mesmo pelo grande público –, Ariano Suassuna nasceu em João Pessoa, em 1927. Com três anos, se mudou com a família para o interior da Paraíba, após o assassinato do pai João Suassuna por motivos políticos. Temendo que os filhos se vingassem, a mãe de Ariano, Cássia Vilar, levou todos para Taperoá.
A perda fatídica nunca foi superada por Ariano. “Desde esse dia eu me vi / como um Cego, sem meu Guia, / que se foi para o Sol, transfigurado”, escreveu no poema Fazenda Acauhan. O escritor declarou diversas vezes que começou a escrever e ler para continuar se relacionando com o pai através da sua biblioteca. Outra imagem da morte na sua obra é a da Onça Caetana, mulher convertida em mistura de onça, cobra e três aves-de-rapina.
Ariano veio para o Recife anos mais tarde, para terminar os estudos e cursar Direito. Sua estreia na literatura se deu nas páginas do Jornal do Commercio, em 1945, com o poema "Noturno". Pouco depois, ele escreveria sua primeira peça, a tragédia "Uma mulher vestida de sol". A essa altura, já havia fundado com o colega Hermilo Borba Filho o Teatro do Estudante de Pernambuco e, mais tarde, criaria com ele o Teatro Popular do Nordeste, antes de um rompimento.
Apesar da estreia teatral no universo trágico, seria na comédia, no entanto, que sua produção alcançaria o maior êxito, notadamente com "Auto da Compadecida", escrita em 1955 e encenada pela primeira vez dois anos depois, no Rio de Janeiro, pelo Teatro Adolescente do Recife. O texto, um dos mais adaptados e conhecidos da dramaturgia brasileira, virou filme em três ocasiões, sendo a última delas a mais famosa, criada pelas mãos do cineasta Guel Arraes e exibida também como minissérie em 1999. Entre as outras peças do autor, destacam-se "O santo e a porca" (1957), "Farsa da boa preguiça (1960)" e "As conchambranças de Quaderna" (1987).
Na prosa, a grande obra de Ariano seria publicada na década de 1970: "O romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", mais tarde adaptada para o teatro e para a TV, virando minissérie da Globo em 2007. O autor trabalhava recentemente no livro "O jumento sedutor", misto de romance, poesia e teatro.
Mentor do movimento armorial, que buscava criar obras artísticas a partir das raízes populares do Nordeste, Ariano ainda foi um importante pensador da cultura nacional. Professor de Estética na UFPE, nunca evitou debates e posicionamentos sobre temas como a cultura estrangeira e o tropicalismo, por exemplo. "Iniciação à estética", de 1975, é uma de suas principais obras de teoria. Essas reflexões seriam levadas junto a seus causos para as suas tão famosas aulas-espetáculo, que correram Pernambuco e o Brasil.
Se os debates estéticos sempre o interessaram, Ariano também sempre fez questão de se posicionar politicamente. Ele era, nas suas próprias palavras, “de esquerda”, mas não marxista. Depois da ditadura, sua trajetória passou a estar intimamente ligada ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), a partir da amizade com Miguel Arraes. Inúmeras vezes subiu em palanques para cantar o frevo que ele transformou em hino político, "Madeira que cupim não rói". Ariano foi Secretário de Cultura na primeira gestão de Eduardo Campos e ocupava atualmente a Secretaria Especial da Assessoria do Governo de Pernambuco. Além da arte e da política, outra paixão do autor era o Sport. O atual modelo de uniforme do time pernambucano é uma homenagem a Ariano e traz uma frase dele impressa.
Uma das últimas agendas do escritor e dramaturgo seria no final de agosto, quando receberia uma celebração com uma mostra de filmes, exposição de fotografias e aula-espetáculo, intitulada "Ariano Suassuna – Arte como missão", na Caixa Cultural do Recife, mas o evento foi cancelado depois do internamento do autor.
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